Jasmins, de Claudia Nina, é uma das poucas obras literárias que abordam temas como a velhice, a senilidade e o desamparo A população brasileira está mudando de perfil e vivendo mais. Os efeitos dessa transformação entre os idosos e o debate sobre o futuro deles estão retratados em um livro de ficção que narra o avanço da velhice em um universo profissional ainda pouco percebido: o dos cuidadores de idosos, muitas vezes relegados eles mesmos ao abandono para executar seu trabalho. Jasmins (176 p., R$ 44,90), da escritora Claudia Nina, é uma obra lançada pela Editora Maralto, que pertence ao grupo Arco Educação, e aborda a terceira idade sob o prisma de uma casa de repouso administrada por pretensos filantropos, nem sempre sensíveis ao duro cotidiano do local. A ação recai sobre os funcionários, estes sim, mais diretamente ligados ao dia a dia da instituição, batizada sem rodeios desde as primeiras páginas de “depósito”. O livro será lançado no dia 22 de setembro, a partir das 19h, na Livraria da Travessa [rua Voluntários da Pátria, 97, Botafogo, Rio de Janeiro], com entrada franca. Descaso A autora chama a atenção para uma realidade que não pede licença para se estabelecer e que não encontra a devida contrapartida dos agentes envolvidos. O texto mostra um universo contraditório: falta ação e sobram problemas à medida que parcela crescente de idosos se faz presente entre nós. “Mais uma vez, a arte serve para denunciar o que se passa no mundo real. O aumento da expectativa de vida joga ainda mais luz sobre uma discussão que deveria ser prioridade nas políticas públicas; se no ano 2000 um brasileiro vivia até os 69,8 anos, em 2021 a faixa etária chegou aos 76,8 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”, conta a autora. Os números sobre essa população em escala ascendente são suficientes para balizar uma espécie de grito de socorro, que o livro tece ao longo das 176 páginas de forma poética, mas também contundente para denunciar o problema, que envolve a solidão em que os próprios idosos são relegados, o duro cotidiano dos cuidadores e as sequelas físicas e psicológicas que sofrem ao lidar com seu trabalho. Ao penetrar no cotidiano do “depósito”, a obra acaba tratando de todo um conjunto de posturas e valores presentes em uma sociedade ainda distante das melhores virtudes do ser humano como empatia, compaixão e preocupação genuína pelo próximo, sem esperar vantagens. A história A personagem principal do livro, Yasmin, é uma jovem que passa a cuidar de uma mulher chamada Wanda, uma senhora doente que vive em uma casa de repouso em uma cidade interiorana, Hervália. Assim como ocorre com as carências e demandas que a terceira idade apresenta a governos e sociedade, a história contada em Jasmins representa uma síntese dos desencontros, falta de interesse e abandono a que a terceira idade está relegada no país, com efeitos para todos os lados, inclusive para os profissionais que desempenham a árdua missão de atender os idosos. Sem saber por quem foi contratada, Yasmin, que adota o nome das tristes flores que vê todos os dias pela janela, acaba se mudando para a pequena Hervália para acompanhar a realidade da senhora senil no asilo onde mora. Com asco permanente de tudo no lugar, inclusive da mulher a quem, em tese, ela se dedica, Yasmin se vê sufocada por uma vida triste, arrastada e sem sentido. Ao longo da história, no entanto, essa relação de distanciamento se transforma. Crescimento sem volta O fenômeno da longevidade é mundial. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de indivíduos com idade acima dos 60 anos chegará a 2 bilhões de pessoas até 2050, o que equivale a um quinto da população mundial. Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil, em 2016, tinha a quinta maior população idosa do mundo, e, em 2030, a quantidade de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos. O livro de Claudia Nina, gestado durante sete anos, é mais do que um convite à reflexão de que muita coisa precisa mudar. Jasmins, com texto sensível e inteligente, nos faz um potente convite: acompanhar a questão de perto e pressionar as autoridades responsáveis a mudar olhares e ações sobre a terceira idade no Brasil. Afinal, nós mesmos podemos ser os desamparados do amanhã, avisa o conjunto da obra. Sobre a autora Claudia Nina é jornalista e doutora em Letras pela Universidade de Utrecht, na Holanda, com tese sobre Clarice Lispector. Trabalhou como professora-visitante de Teoria Literária na UERJ. Em 2020 foi convidada para lecionar a disciplina Escrita Criativa: do real ao ficcional, na pós-graduação de Literatura Brasileira de Autoria Feminina na Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. É autora de romances, ficção e biografias, além de se dedicar a obras infanto-juvenis. Finalista do Prêmio Rio de Literatura 2015, é também colunista da Revista Seleções (Reader´s Digest), na qual assina a coluna online “Histórias que a vida conta”. Assina, ainda, uma coluna de crônicas no site do jornal Rascunho.